sexta-feira, 13 de março de 2009

Sexo, Ultraviolência e Lavagam Cerebral

A idéia surgiu em uma aula de Evolução das Artes Visuais. A professora citou um outro grande clássico dos cinemas, Admirável Mundo Novo (o qual também não tive oportunidade de assistir). A partir daí se iniciou uma discussão sobre grandes filmes clássicos e eternos. E, logicamente, um título não escapou de aparecer. A Laranja Mecânica. Eu me senti um cristão em Roma quando disse que nunca tinha visto o citado filme. Todos olharam para mim chocados. E foi meu amigo Fi que veio ao meu resgate dizendo que tinha o filme e que me emprestaria.

Eficiente como Romário na copa de 94, ele trouxe o DVD remasterizado no dia seguinte sem que eu precisasse lembrá-lo. E ainda tomou a liberdade de incluir Scarface (Fi, eu ainda não assisti esse. Assim que eu ver, devolvo os dois) como bônus. Mas eram vésperas de Carnaval. E sabe como as coisas funcionam aqui no Brasil. O ano começa depois do carnaval, e a nem A Laranja Mecânica escapou da celebração. Deixei o DVD de lado e fui viajar. Voltei na quarta-feira de cinzas e não precisei trabalhar. Mas não tinha condições mentais nem físicas de assistir a sequer um filme infantil, quem dera a um daquele calibre intelectual. Fui parar para ver o filme somente no final de semana que se sucedeu.

A maestria do filme estava além do que eu esperava. Na verdade, nem sabia o que esperar, pois fiz questão de não ler nenhuma sinopse, ouvir qualquer comentário que fosse. Nem sabia do que se tratava o filme, apenas sabia que era uma obra-prima, um clássico. Talvez isso o tenha tornado ainda mais impactante. E o que tenho a dizer desse filme é: Kubrick é um gênio. Desde a escolha do elenco (ele fez questão de ter Malcolm McDowell no papel de Alex, caso contrário não rodaria o filme), até a trilha sonora impecável que, na minha opinião, gera uma antítese irônica sensacional. Usar clássicos como Singing In the Rain e a 9ª de Beethoven em cenas de ultraviolência é um golpe mental para o espectador. De resto são apenas reflexões a respeito daquilo que o filme nos passa.

Antes de iniciar um discurso sobre o filme, vamos analisar o contexto histórico da época. O ano é de 1973. Nos EUA, milhares de jovens marcham contra a guerra do Vietnã, Charles Manson e sua “família” são presos e condenados a morte, e há uma interminável discussão sobre como educar (ou reeducar) criminosos e infratores da lei. É nesse cenário caótico que surge A Laranja Mecânica. Um verdadeiro tiro na cabeça de espectadores e críticos. Alex DeLarge é líder de um grupo de amigos que praticam atos de ultraviolência. Ele e seus drugues (membros da gangue) são responsáveis por atos como o espancamento de um mendigo, uma luta feroz contra um grupo rival, invasão da casa de um escritor - na qual eles espancam o mesmo deixando-o paralítico e estupram sua mulher bem na sua frente enquanto canta Singing In the Rain – e, por fim, invadem a casa de uma bailarina dona de um spa. Nesse último episódio, Alex acaba matando a mulher com uma escultura em forma de pênis gigante. Traído por seus drugues, Alex acaba sendo preso e levado para a prisão. E é nesse ponto que o filme realmente começa. Após um certo tempo na cadeia, Alex ouve sobre um tipo de tratamento que “cura” a pessoa de todo o mal e garante que ela nunca mais voltará para a prisão. Sem nada a perder, ele consegue se tornar a “cobaia” para tal tratamento.

O tratamento Ludovico consiste em aplicar um soro no paciente, e fazer com que ele veja horas e horas seguidas de cenas de violência, guerra e estupro. Nada menos do que uma lavagem cerebral. Após o tratamento, Alex passa por uma prova de que ele funciona perante uma platéia repleta de pessoas ilustres, incluindo o ministro da justiça. Nesse teste, Alex é espancado e humilhado por um homem sem motivo. Mas o tratamento o impede de reagir, causando-lhe uma enorme náusea. Em seguida, uma mulher seminua adentra o palco e fica perante Alex. Mais uma vez o soro o impede de tomar qualquer atitude. Todos os presentes deliram. Não era nem necessário que o padre dissesse “e onde fica o livre arbítrio?” naquela cena. Isso já estava explícito.
E então Alex é solto e acontece uma sucessão de fatos terríveis ao protagonista. Em todas as ocasiões ele é impedido de se defender devido ao tratamento recebido. Até que ele se rende e vê o suicídio como única alternativa para por fim em seu sofrimento. Por sorte Alex acaba sobrevivendo e o tratamento Ludovico é revertido enquanto ele está em coma. Quando ele desperta, uma série de testes comprova que ele não está mais sob influência do tratamento (Pipoca... Carambola... Você não tem bico! Husauhsuahsuahsuhausha, essa parte é sensacional!). E então o filme acaba com uma frase do Alex: “É, eu realmente estava curado”, ou algo bem parecido com isso.

(Mas o fim do filme é apenas o começo da história. O que podemos concluir desse filme? Milhões de coisas diferentes. Se eu fosse citar todas, talvez esse seria o post mais longo da história dos blogs. E provavelmente, ainda assim, deixaria alguma coisa passar. Vou frisar alguns pontos que acho primordiais).

· Justiça é algo muito subjetivo. O que é justo para um, não é para o outro. Isso é fato, não há discussão. Quem me garante que uma lei que está em vigor hoje pode, de fato, ser considerada como justa. Justiça é uma faca de dois gumes. E, geralmente, apenas um dos lados sai realmente justiçado. É isso que Alex nos mostra quando sai “curado” e se depara com todos aqueles que havia maltratado quando era líder do grupo.

· Não existe uma pessoa 100% boa. Assim como também não existe alguém 100% mau. Eu realmente acredito nisso. Eu sei que existem casos e mais casos que apontam para pessoas realmente más. Ainda assim acredito que existe um traço de – se não bondade – humanidade nelas. Em A Laranja Mecânica, o protagonista mostra isso claramente. Mesmo não podendo criar situações de violência, nem mesmo revidá-las, não significava que Alex havia eliminado sua índole violenta. Ele apenas não podia deixá-la aflorar, pois seu corpo reagiria de maneira negativa a isso, devido ao tratamento. Se ele tivesse visto cenas de maltrato a animais, por exemplo, viraria vegetariano. E não porque quis. E sim porque lhe foi imposto. A essência permaneceu intacta, apenas a capacidade de praticar é que foi anulada.

· Punir não é a solução para o crime. Isso é óbvio. Violência gera mais violência. Embora eu acredite nisso, sei que não existe outra maneira (eficaz) de diminuir a criminalidade. Veja bem, diminuir a criminalidade nada mais é que: tirar os criminosos de circulação. O ideal seria se houvesse uma maneira verdadeira de reeducar as pessoas. Ficou claro que o modo Lodovico não é eficaz. A mensagem principal do filme quanto a esse tema é clara. A reabilitação tem que começar na própria pessoa. Nada mais é do o bom e velho: “Só é possível ajudar quem quer ser ajudado”.

Por essas e muitas outras eu achei A Laranja Mecânica um dos melhores filmes que eu já vi. Se não o melhor. É incrível como um filme da década de 70 pode ser tão atual. Alguém que nunca ouviu falar do filme (convenhamos, deve existir) pode assistir e pensar que é um lançamento. Em termos de direção, atuação e trilha sonora, o filme é impecável e não há mais nada que possa ser dito sobre isso. Mas quanto às implicações morais, ainda há muito a ser discutido. Esses pontos levantados são apenas os mais superficiais e explícitos. Àqueles que não assistiram, não percam mais tempo. Um dos melhores filmes de todos os tempos. Malditos críticos. Não sei como não ganhou nenhum Oscar...

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