segunda-feira, 9 de março de 2009

Coisas de Herói

Esteven é um cara comum. Às sete horas da manhã ele levanta, toma seu café e vai para o trabalho de ônibus. Chega ao banco onde trabalha já cansado, suado e atrasado. Esteven trabalha como assistente de telemarketing. Na área de cobranças. Sua função é ligar para as pessoas dizendo que tem contas a acertar, juros a pagar. Esteven recebe, em média, vinte e sete respostas mal educadas e dezoito desligadas na cara por hora. Sem contar os espertinhos que dizem não conhecer o nome procurado. O salário é tão pífio que mal dá pra pagar as contas de casa e comer durante o mês inteiro. Não é necessário frisar o nível de humor com que Esteven sai do trabalho.
Esteven voa, tem uma super audição e é invulnerável a balas. Um super-herói comum. Nas horas vagas, Esteven gosta de voar por aí. Ele veste seu uniforme improvisado (que já tem sete anos de idade, dois remendos abaixo do braço direito e um marca de queimadura nas costas, além de estar perigosamente justo por não suportar o crescimento exagerado de sua pança) e faz uma ronda pela cidade. Bate em uns ladrões de bolsas, ajuda velhinhas a atravessar a rua, socorre um bebê que está preso num prédio em chamas. Coisas corriqueiras.
Esteven chega em casa um pouco menos estressado e muito mais cansado. Dá um beijo na mulher, janta, assiste o noticiário (“Super-herói misterioso salva a vida de uma mulher que capotou o carro”), brinca com o cachorro e vai dormir. Esteven sonha que é homenageado pelo prefeito da cidade pelo reconhecimento de seus serviços como herói. Na hora exata que receberia um cheque enorme das mãos de uma loira extremamente peituda vestida com um maiô vermelho decotado, seu despertador tocou, trazendo-o de volta à dura realidade.
Esteven chega em cima da hora e bate o ponto no banco. Senta em frente ao seu computador e analisa a lista de telefonemas que deveria fazer até o final de semana. Mas antes que colocasse o fone no ouvido, seu chefe o chama a sua sala. Depois de minutos exaltando o quanto Esteven era um bom funcionário, o chefe diz que ele está demitido. A ironia da situação força Esteven a cair na gargalhada. Esteven volta pra casa mais cedo naquele dia. A mulher está tricotando quando ele adentra a sala. Ela sorria. Ele forçava um sorriso.
- Preciso te dizer uma coisa. – disse Esteven.
- Eu também preciso. – retrucou a mulher.
- Você primeiro.
- Ganhamos na loteria! – disse a mulher eufórica. – Você finalmente poderá sair daquele emprego que tanto odeia.
Esteven sorriu. Um sorriso verdadeiro como ele não sorria a muito tempo.
- O que você ia dizer?
- Não importa mais. – disse sem emoção. – Eu recebi um pequeno aumento. Mas que diferença faz isso, agora? Pedirei as contas amanhã mesmo.
- Que bom! – disse a mulher.
Esteven sorri. “Que bom mesmo”, pensa. Finalmente poderia comprar um uniforme novo.

2 comentários:

  1. Isso sim que é amor ao trabalho, hein? Parabéns!

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  2. Amor! me fez pensar tanto em amor... amor pela vida, pelo dia a dia, por si próprio... como é bom confiar na vida.. como é bom ler um texto desse pra seguir bem o dia!
    Parabéns!
    Bjinhus, Ju

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